Bloco de Notas da História #33 – O dia em que o Rei voltou a sentir o carinho de Buenos Aires


Cumpriram-se ontem 22 anos do regresso do maior futebolista da história do futebol à sua casa-mãe, à sua verdadeira alma-mater, La Bombonera. Em 1995, aos 35 anos, Diego Armando Maradona era um homem completamente falido: falido financeiramente, falido moralmente (esta é a fase em que o jogador estava completamente afundado nas drogas), falido fisicamente (pesando uns largos quilos a mais) e acima de tudo, falido desportivamente – 1 ano antes do seu regresso à Bombonera, a meio do campeonato do mundo de 1994, logo após a vitória sobre a Grécia, partida na qual o astro marcou um sensacional golo à entrada da área um controlo positivo a efedrina, poderoso substância dopante estimulante que o tinha ajudado durante os meses anteriores a conseguir emagrecer 13 kg (passando dos 89 para os 76 kg) para poder alinhar naquele campeonato do mundo, obrigava-o a ter que sair do Mundial pela porta pequena – riscado do elenco da argentina para a 2ª fase do torneio sob risco de desqualificação da selecção orientada naquele ciclo de 4 anos por Alfio Basile. Acresce referir que nas 4 temporadas anteriores ao seu regresso à Bombonera. ao serviço do Sevilla (de Carlos Bilardo) e do Newells Old Boys, El Pibe tinha apenas realizado 34 partidas. Em Sevilla, o clube local foi inclusive obrigado a contratar detectives privados para seguir Maradona em função das saídas nocturnas nas quais o astro era visto a entrar nos prédios dos maiores traficantes locais. Ainda hoje, a propósito da sua passagem pela cidade andaluz se mantém a suspeita quanto a vários controlos supostamente realizados pelo argentino em Espanha: muitos são aqueles que referem que o Sevilla burlava os controlos realizados pelas agências anti dopagem espanholas, enviando amostras de urina de jogadores “limpos” nos frascos dos controlos para os quais o jogador era sorteado. 

Maradona ainda hoje jura a pés juntos que aquele controlo positivo no Mundial de 1994 foi uma cabala tramada por João Havelange, presidente da FIFA e Antonio Matarese, dirigente que na altura era o presidente da FIGC, a Federação Italiana de Futebol. A conjura teria supostamente como objectivo afastá-lo daquele mundial de forma a facilitar o caminho para a realização de uma final (Brasil vs Itália) combinada pelos dois dirigentes. No homónimo documentário realizado por Emir Kosturica (linkado em cima), o argentino afirmou sem pejo que acreditava que os argentinos tinham capacidade para “sair campeões” dos Estados Unidos.

maradona

As estátuas de Gardel, monumento histórico de Buenos Aires que representa as 3 figuras mais icónicas daquele país do século XX. À esquerda encontra-se Carlos Gardel, cantor de tango e de milonga, figura icónica da cultura argentina do princípio do Século XX. Ao centro, a primeira-dama Evita Perón, a mãe dos pobres. À direita, Maradona saúda simpaticamente todos os visitantes do Centro de Exposiciones Caminito.

A 7 de Outubro de 1995, no jogo a contar para a 9ª jornada do Torneio Abertura do Campeonato Argentino, El Pibe, o homem que fez chorar de alegria toda uma argentina em 1986, o homem que tinha roubado “com a mão” a carteira de Peter Shilton, regressava a uma Bombonera em puro estado de extâse colectivo.

A contratação do Diez (e do seu amigo Claudio Caniggia, outro consumidor habitual de drogas) tinha resultado de uma enorme operação financeira realizada pelo Grupo Eurnekian. O clube do bairro de La Boca, bairro que foi construído no final do Século XIX por imigrantes genoveses ligados aos sectores das pescas, mais concretamente ao Porto de Buenos Aires, estava na altura a atravessar um verdadeiro período de luta pela sua própria sobrevivência. Na mais pura das bancarrotas e sem conquistar qualquer título nacional há 3 temporadas e internacional há 5 (o último título conquistado fora de portas foi a Supertaça Sul-Americana em 1990), afirmam os dirigentes que na altura tentaram salvar os xeneizes, os 10 milhões de dólares injectados pelo grupo comandado por Eduardo Eurnekian vieram salvar o clube da mais que certa penhora do La Bombonera, palco que poderia ser demolido para ali serem construídos condomínios de luxo, numa altura em que o bairro estava a ser recuperado pela autarquia local. Actualmente, la Boca é um dos grandes excelíbris turísticos da capital argentina.

la boca

Em troca da operação financeira, Eurnekian, empresário de origem armena que tinha feito fortuna nas industrias texteis, na comercialização do primeiro pacote de televisão por cabo instalado naquele país e na construção e gestão aeroportuária de praticamente todos os aeroportos sediados em solo argentino, ficaria, com os direitos televisivos dos jogos do Boca Juniores durante a duração do contrato assinado por Maradona, direitos que lhe renderam, no final das contas, aproximadamente 100 milhões de dólares. O self made man argentino, personalidade que não deixará herdeiros directos (nunca casou) possui hoje, aos 84 anos, uma fortuna de aproximadamente 2,3 biliões de dólares.

Debaixo dos cânticos e dos gritos histéricos de um estádio que literalmente “quase veio a baixo” (há mais de 30 anos que estão apontadas falhas críticas nas estruturas metálicas do la Bombonera; estádio que continua a receber 3 vezes mais adeptos do que a sua lotação oficial) Diego Armando apareceu no verde césped, na cancha onde nos primeiros anos da sua carreira brindou todos os adeptos xeneizes de um transcendente e mágico espumante de futebol, com uma lista loira pintada na sua cabeça, símbolo das cores do Boca, para enfrentar o Colón de Santa Fé.

Si yo fuera Maradona
Viviría como él
Si yo fuera Maradona
Frente a cualquier portería
Si yo fuera Maradona
Nunca me equivocaría
Si yo fuera Maradona
Perdido en cualquier lugar.
La vida es una tómbola
De noche y de día
La vida es una tómbola
Y arriba y arriba
Si yo fuera Maradona
Viviría con él
Mil cohetes, mil amigos
Y lo que venga a mil por cien
Si yo fuera Maradona
Saldría en mondovision
Para gritarle a la FIFA
Que ellos son el gran ladrón!
La vida es una tómbola
De noche y de día
La vida es una tómbola
Y arriba y arriba
Si yo fuera Maradona
Viviría como él
Porque el mundo es una bola
Que se vive a flor de piel
Si yo fuera Maradona
Frente a cualquier porquería
Nunca me equivocaría
Si yo fuera Maradona
Y un partido que ganar
Si yo fuera Maradona
Perdido en cualquier lugar
La vida es una tómbola
De noche y de día
La vida es una tómbola
Y arriba y arriba

Manu Chau – La vida és una tombola – La Radiolina – 2007

boca

Maradona faria ao longo de 2 anos 31 jogos pelo Boca, caminho penoso (tanto para o jogador como para o clube; dois 10ºs lugares no Abertura e um 9º no Clausura de 1996) que incluiu várias passagens pelos hospitais (uma delas com um princípio de overdose) e um período de recuperação numa clínica em Cuba, período no qual Fidel Castro se perdeu de amores pelo craque (Maradona visitou várias vezes o palácio presidente) e o craque se enamorou pelas ideias marxistas da Revolução Cubana. A 25 de Outubro de 1997, no Superclassico de Buenos Aires, frente ao River, o astro jogaria a sua última partida. Nesse jogo, ao intervalo, El Diez seria substituído por outro dos grandes enganches da história do futebol argentino e do clube xeneize: Juan Román Riquelme – aquele que mais tarde haveria de ser considerado pelos adeptos o melhor jogador da história do clube.

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