Bloco de Notas da História # 35 – Ossie Ardiles – os primórdios da magia do futebol argentino


No ano de 1975, Lionel Messi ainda era um projecto da criação que boiava nos testículos de Jorge Messi. Diego Armando Maradona, El Pibe, El Diez, El Ché, o grande e verdadeiro Deus da Igreja Maradoniana, o maior e mais virtuoso ilusionista e ladrão da história do futebol mundial (“Marcar aquele golo com a mão aos ingleses foi como roubar a carteira de um inglês! Naquele jogo jurámos vingar todos os milhares de mortos das Falklands. Quando o príncipe Carlos me quis conhecer, disse, eu é que não o quero conhecer porque não aperto a mão a uma pessoa que tem as suas mãos manchadas de sangue” – Kosturica: Maradona – 2009) estava a um ano de embarcar, nos Argentinos Juniores, naquele louco carrossel de vedeta de rock and roll que o conduziria tão rapidamente ao topo do futebol mundial quanto aos portões do submundo da existência humana. Juan Román Riquelme, o homem que encareceu o preço por metro quadrado daquela pista de 10 metros quadrados de aproximação à área adversária, pequena box de terreno que é explorada por todos os detentores de veludo nos pés para escrever sucessivas composições musicais para a equipa, ainda demoraria 22 anos a surgir ao mais alto nível, e Pablito Aimar, herói incontestável do Monumental de Nuñez e do Estádio da Luz, a maior analogia futebolística de Edgar Morin pela forma complexa mas ao mesmo tempo tão simples como pensava o jogo (não menos brilhante que qualquer obra literária de Morin – simples mas ao mesmo tempo complexa) haveria de nascer 5 anos depois, para encanto de duas “torcidas” que ainda hoje suspiram e choram quando ouvem o seu nome. Uma, a hinchada do River, legal. A outra, completamente fora-da-lei, por legalizar.

Em 1975, o futebol argentino ainda aguardava pelo seu grande momento de afirmação internacional (a escola italiana tinha oferecido aos argentinos a dureza e a organização defensiva e a verdade é que até aos anos 70 as suas selecções eram no fundo somente conhecidas internacionalmente pela sua viril entrega ao jogo. A partir dos anos 70 tudo se modificou – os argentinos começaram a trabalhar mais os aspectos técnicos na formação – esse desenvolvimento trilhado vertiginosamente num curto para de anos ficará para sempre cravado na história como a Grande Revolução dos Enganches – dos 10 argentinos) momento que viria 3 anos mais tarde, naquele controverso Mundial, prova na qual, de certo modo, no “país das pampas” se jogava muito mais que futebol – jogava-se a imagem internacional de um regime sangrento que torturava os seus opositores a poucos metros dos palcos onde os argentinos comemoravam os golos da sua selecção. Jogava-se o futuro de um conjunto de ditadores-vassalos de Henry Kissinger. No fundo, jogava-se toda a americanização da América Latina, status quo que ainda hoje é um tema sensível da geopolítica. Qualquer crónica ou análise mais ou menos detalhada aquele mundial é definitivamente uma taréfa hérculea, pela multiplicidade de factos, de pequenas históricas e de teorias particulares da conspiração que foram sido formuladas ao longo das últimas décadas pelos historiadores e demais curiosos desse marcante acontecimento histórico.

Em 1978, Ossie Ardiles atingia o estrelato do futebol mundial. O jogador do então grande Huracán (vice-campeão argentino no ano de 1976) atingiria o topo da cadeira, a marquise do estrelato. A sua importância vai bem para além da escola de enganches que auxiliou a formar no seu país natal. Ardilles Revolucionou o futebol inglês. 

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Este post representa acima de tudo uma grande homenagem ao meu pai. Quando eu era miúdo, o meu pai esforçou-se imenso para alimentar a minha curiosidade. Verbalizando todo o conhecimento adquirido durante meia-vida, o meu pai esforçou-se à séria (à brava, mesmo) para me dotar de todas as ferrmentas para poder vingar num mundo no qual ele julgava vir a ser, no futuro, de conhecimento. Infelizmente, o mundo que ele projectou há 30 anos quando me concebeu, melhor, deu uso aos seus gónadas não é definitivamente aquela caixinha redonda na qual vinga o conhecimento adquirido pelo homem. Há 30 anos, para o meu pai, o conhecimento significava poder. Actualmente só podemos concluir que o conhecimento que possuímos é lixo: lixo depositável em pequenos tomos em blogs e sites como este. Eu gosto de vir aqui depositar diariamente o meu, a horas incertas e até algo reprováveis (segundo a minha namorada), 3 ou 4 vezes por dia, mas a verdade é que este lixo, não me alimenta de lagosta (mas sim de massa com atum, nos dias em que o atum ainda é suportável para a minha carteira), não me veste de Lacoste, nem tão pouco dá de beber ao meu Golf – o mundo não pertence aos meritocratas do conhecimento – aqueles românticos que passam a sua vida a estudar meticulosamente tudo para adquirir mais lixo para a sua lixeira – o mundo pertence à porcaria dos artistas que pouco ou nenhum conhecimento adquiriram se não o do manual da sobrevivência humana – o poder está definitivamente nas mãos daqueles que mais cultivaram a arte de foder o próximo. Sim, resumidamente é isso: tudo no mundo em que eu vivo à parte, sem saber no fundo qual é o meu lugar na cadeia alimentar, parece cingir-se à arte do foder o próximo como o método primordial de se alcançar benefícios.

Posso não estar certo a 100%. Posso oferecer visões algo subjectivas, derivadas da minha percepção muito própria do jogo. Estou-me literalmente a cagar para aqueles que me invejam ou que me criticam – sou um rebelde. Nunca vivi em função dos outros, nunca senti qualquer complexo de inferioridade em relação aqueles que me ensinam. Tento sempre adoptar uma postura positiva perante todos aqueles que tem a bondade de perder algum do seu tempo para me ensinar. Quando me ensinam cresço. Quando ensinam, todos os que ensinam, consolidam o seu conhecimento.

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Eu fico-me a meio, pelo Ardiles, o primeiro grande génio do futebol argentino, o homem que iniciou a grande revolução pela qual viria a passar o futebol inglês nos seguintes ao seu polémico desembarque em Londres. Polémico? Sim, polémico. Em 1978 a Premier League estava longe de ser o melting pot que é hoje. Após 4 décadas sem poder contratar jogadores não-britânicos, os clubes ingleses ainda olhavam com muita desconfiança para o talento estrangeiro. Ardiles desbloqueou as portas do futebol britânico ao talento estrangeiro, quebrando todas as barreiras do preconceito. Naquela época, a selecção Inglesa não marcava regularmente palco nas grandes competições internacionais, tinha conquistado um Mundial em 1966 à conta da sacanice protagonizada junto da nossa selecção na véspera daquele confronto que lhes abriu portas para a conquista da Taça Jules Rimet, cerca de 25 anos antes tinha sido vergada copiosamente em Wembley pela Hungria de Puskas, Kocsis e Kubala, os seus clubes ganhavam uma ou outra competição internacional de clubes à conta de um cavernoso futebol (de pau de criar bicho; sem meio-campo e sem meio-termo; mais aéreo que a própria Royal Air Force) que ainda hoje faz escola junto dos Allardyces e dos Hodgsons desta vida, com os resultados que conhecemos de uma selecção que não conquista nada há 51 anos, mas os ingleses ainda acreditavam que os seus jogadores evoluiam num patamar completamente trascendente aos demais.

Osvaldo Cesar Ardilles foi para Inglaterra ensinar aos médios ingleses que qualquer médio deveria ter nos seus pés o perfume do drible, desconchabando defesas a seu belo prazer, o gesto técnico capaz de marcar a diferença, a noção que o futebol era composto por fases e que um delas era a fase de construção a partir do solo, a luz do entendimento do jogo: os espaços. Que se criam, procurando os vazios. Que se criam para os outros, atraindo para as suas a atenção dos adversários. Os 60 metros de espaço que os britânicos pura e simplesmente descartavam nos seus sistemas tácticos 4x2x4. Para receber. Para colocar, para saciar a fome de progredir no terreno. Para colocar toda uma equipa a mexer. Ardilles ensinou que um médio-centro não servia somente para cabecear bolas ou para perseguir pelo horizonte, durante 90 minutos, o melhor rematador adversário, ceifando-o sem a mesma piedade e sem a mesma falta de chá com que Noddy Stilles carregou, vezes sem conta, de lenha as pernas do nosso Eusébio. Um médio centro tinha que ser muito mais que isso. Tinha que ser um criador de espaços.

As 11 temporadas passadas por Ardiles em Inglaterra foram temporadas de verdadeiro conhecimento para a escola britânica, conhecimento que viria a passar das formas para o forno nas gerações seguintes com jogadores como Steven Gerrard, Frank Lampard, Paul Scholes ou Paul Gascoine – Gazza é inegavelmente até hoje o mais criativo da história do futebol britânico.

Foi Ardilles quem alterou a percepção dos britânicos em relação às funções que um médio deveria ter, aproximando ligeiramente os anacrónicos british do estado de evolução que já era ostentado por outras escolas como a argentina, a brasileira ou a alemã. Está claro que cada uma tinha a sua concepção muito peculiar – os sul-americanos mais técnicos. Os alemães mais físicos e mais eficazes no capítulo do passe. Os portugueses eram neste período o grande futebol de médios, pelo cariz combinativo que os seus tão requisitados médios (primeiro João Alves, posteriormente Paulo Futre e Rui Barros) empregavam na sua construção de jogo.

2 opiniões sobre “Bloco de Notas da História # 35 – Ossie Ardiles – os primórdios da magia do futebol argentino”

  1. É pá… Lixo é que não!

    É que se isto é lixo eu que passo cá todos os dias, sou o quê? Um almeida? Lol.

    Percebo perfeitamente… há mentecaptos cujas páginas são vangloriadas e enaltecidas sem 1/10 da qualidade desta. na minha humilde opinião há malta que estuda o mercado e dá à grande maioria aquilo que a grande maioria quer… Parabéns por manter este canto tão pessoal!

    Caro João acompanho a página há dois meses, sensivelmente, e depois da primeira visita venho cá todos os dias. Até pode perguntar… “então se vem cá todos os dias só responde hoje?” Sim, há dias em que gosto de ler muito e há dias em que o ramram quotidiano não me permite ter concentração às horas de visita (a minha mulher já não reclama com as horas pouco recomendáveis lol).

    Os textos mais técnicos e longos deixo para dias mais disponíveis. Noto uma evolução sua, espero que não me interprete mal. Algumas análises de futebol estão cada vez mais técnicas. Não é uma crítica é a minha opinião. Há dias em que a minha pobre cabeça dá um nó… ahahahahahahaha. Sinceramente e sem qualquer crítica velada compreendo que o seu caminho tenha sido evolutivo e natural, o leigo que sou nas questões técnico-táticas fazem-me ficar um pouco para trás, mas é bom porque me ensina mais.

    Há ainda um outro pormenor em relação à sua página… o ciclismo. Nunca andei grande coisa de bicicleta, a não ser quando era criança. Isso era de manhã à noite. O ciclismo como desporto, lembro-me de vibrar com a volta a Portugal quando era adolescente e no verão ficávamos por casa. Eram poucos os canais e o ciclismo entusiasmante. Depois desses três ou quatro Verões na década de 90 do século XX “separámo-nos”.
    Há dias dei por mim a ver a bolatv e entusiasmado com um documentário sobre o Greg Lemond e o Hinault… muito bom! Dei por mim a pensar que só estava a ver aquele documentário por causa da sua página!

    Obrigado e continuação de bom trabalho!

    p.s. – às vezes tenho tendência para o acessório e não o essencial… sobre o argentino não disse uma palavra. A sua honestidade a meio do post foi tal que pensei em retribuir na mesma moeda.

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  2. Caro Basco,

    Já tinha dado pela sua presença noutras barras de comentários. Como os comentários tem sido, nestes primeiros 7 meses de actividade, tão poucos (naturalmente compreendo que as pessoas vivem num lufa lufa que não lhes vai permitindo ter o tempo necessário para fazerem o que gostam), um gajo quase que consegue tratar os comentadores como familiares. Há o Basco, depois há o MiguelAVZ, o Ricardo (que nos últimos dias tem andado mais arredio), o Miguel “Bart” Condessa (autor regular deste blog), o “Lion da Maia”, meia dúzia de esporádicos sportinguistas que vou lendo nas barras de comentários de outros blogs, e dois benfiquistas que por vezes vem aqui demonstrar umas opiniões contrárias que em nada beliscam o sentido da coisa, mas, acrescentam bom contraditório. Tenho todo o gosto em vos receber nesta humilde casa e tenho pena que os comentários sejam por vezes tão poucos porque é a dialogar que nos entendemos e que crescemos.

    O canto de alma que aqui foi publicado não foi inusitado neste pensado de um dia para o outro. Como cantava o Sérgio Godinho no tema “Mudemos de Assunto” – “Mas isto é um canto e não um lamento
    já disse o que sinto
    agora façamos o ponto
    e mudemos de assunto
    sim?” – decidi contrapor a um texto de cariz mais histórico, um pequeno lamento, muito peculiar das percepções reais que tenho vindo a adquirir na espuma dos meus dias. Há certas coisas que efectivamente não vou conseguir compreender (inclusive essas da blogosfera que menciona) assim como, noutras, nem sequer faço um esforço para entender porque nada me acrescentam. Sigo o meu caminho, ciente que estou a dar o melhor em tudo o que faço.

    Como refere e bem, esta tem sido uma fase de enorme evolução para mim e olhe, não é mesmo crítica – é algo que já tem vindo a ser contemplado nos meus pensamentos – por vezes sou mesmo demasiado técnico e demasiado longo, algo que efectivamente complica a partilha da mensagem com quem lê e que me dificulta um pouco a vida porque me parece que em algumas sequelas como “os Golos do dia” estou a perder mais tempo do que o recomendável – como isto ainda é um projecto recente, estou certo que conseguirei ajustá-lo no sentido de tornar a compreensão mais fácil a quem lê sem perder a qualidade que todos desejamos.

    Quanto ao facto de lhe ter desperto mais curiosidade sobre o ciclismo, só posso ficar feliz. O ciclismo é efectivamente desde os meus tempos uma das minhas maiores paixões senão a maior paixão desportiva.

    Grande abraço

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