O Aves de Lito Vidigal


lito

Ao longo da vida, é natural ou pelo menos deve ser considerado como natural a simpatia ou a preferência por determinadas pessoas ou personagens em detrimento de outras, cuja personalidade, carácter ou feitio choca directamente com a nossa(o), ou com aquelas cujas atitudes ou comportamentos praticados não se enquadram nos moldes dos valores éticos ou nos comportamentos que acreditamos, defendemos, ensinamos e praticamos. No entanto, o facto de não gostar da personalidade de determinada pessoa ou dos comportamentos que esta pratica, não me tolda ao ponto de não reconhecer a grandeza dos seus feitos, o luminoso brilho do seu pensamento ou a grandeza da sua obra. Ao contrário do português comum, o sucesso alheio não me cria qualquer espécie de confusão nem sequer uma pontinha de inveja. Infelizmente sei que vivo em completa contra-corrente em relação à realidade do país. Os portugueses têm uma certa tendência para idolatrar deuses com pés de barro que nada de útil tem para oferecer à sociedade e para ferrar o seu mesquinho bico naqueles que realmente tem conteúdo para oferecer. O português tem uma natural tendência para querer ter em igual marca e espécie o carro que o vizinho comprou. Se não consegue igualar o seu fato ou o seu feito, o português não descansa enquanto não descer o vizinho ao seu nível de mediocridade. A propósito disto um dia escreveu Torga nos seus diários:   “Só há uma solução quando se vive num ambiente medíocre, entre medíocres: recusar a mediocridade” – ao longo destes últimos meses, tenho-a recusado insistentemente, “afastando de mim esse cálice” – como um dia cantaram Milton e Chico Buarque.

Pessoalmente, considero Lito Vidigal um perfeito anormal desde aquele célebre e abjecto episódio protagonizado com Naldo em Arouca. Na altura defendi (e continuo a defender convictamente) que em função da sua responsabilidade enquanto interveniente de um jogo que se pretende limpo e respeitável, e em função da sua responsabilidade social (sim, todos os actores que participam no jogo devem ter em conta os exemplos que passam para os jovens praticantes) Lito deveria ser severamente punido pelo Conselho de Disciplina. Compreendo porém que todos temos os nossos dias bons e os nossos dias maus, os nossos momentos bons e os momentos que chegamos a ter vergonha da nossa sombra. No entanto, o facto de não gostar da exuberante personalidade de Lito Vidigal não me leva automaticamente a não gostar da sua obra porque os feitos conquistados pelo treinador são visíveis “à vista desarmada”.  Lito é um dos melhores treinadores do futebol português visto que é um dos únicos que, independentemente da matéria prima que vai apanhando nas suas equipas, raramente abdica do trabalho basilar que qualquer treinador deverá construir nas equipas que orienta: o trabalho de uma identidade colectiva. As equipas de Lito são equipas muito organizadas defensivamente e matreiras na saída para o contra-ataque.

Em 6 anos, Lito conseguiu saltar do modesto O Elvas para a primeira liga, mais concretamente para o União de Leiria Tal feito não deverá ter sido decerto obra do acaso visto que o treinador ainda teve de penar algumas temporadas nos Pontassolenses, Portossantenses, Elvas e Ribeirões desta vida. Em Leiria,  na sua primeira experiência na 1ª liga, Vidigal obteve um honroso 9º lugar. Em Belém, na sua segunda experiência na 2ª Liga, o angolano deixou a Europa nas mãos de Jorge Simão a poucas jornadas do fim do campeonato. Em Arouca, Lito conquistou a Europa na primeira época e na segunda, deixou uma equipa que viria a descer posteriormente com Manuel Machado e Jorge Leitão, no 10º lugar da liga, numa condição que ainda permitia à formação arouquense sonhar com um novo apuramento para as competições europeias. Nas Aves, soma 3 triunfos e um empate em 6 jogos.

Goste-se ou não do treinador do Aves, este Aves tem um alguns parâmetros da identidade outrora vista nos trabalhos realizados pelo angolano em Belém e em Arouca. Este Aves é uma equipa que gosta de pressionar a saída em construção do adversário à saída do meio-campo, caíndo o jogador mais avançado (Arango) na pressão aos centrais enquanto os extremos e os médios (os extremos e os laterais avenses realizaram marcação homem-a-homem) trataram de tentar fechar as linhas de passe destes para os laterais e para Herrera e Danilo, feito que obrigou o mexicano a ter que recuar no terreno para vir buscar jogo. Actuando num bloco médio\baixo compacto organizado no sistema 5x4x1, a equipa começa logo por tentar negar, na primeira fase de construção largura (impedindo a entrada da bola nos laterais) e profundidade ao adversário (a linha defensiva avense raramente subiu ao ponto de oferecer aos avançados portistas espaço nas suas costas). Os portistas tentaram contrariar a organização defensiva avense com as sucessivas entradas de Brahimi entre linhas no corredor central, com uma ou duas diagonais de Corona (nos primeiros 20 minutos; a partir daí o mexicano desapareceu totalmente do jogo, reaparecendo apenas quando cometeu a falta que obrigou Rui Costa a puxar da segunda cartolina amarela) e com os movimentos de apoio frontal cedidos “à mingua” por Soares e Aboubakar. Foi num desses movimentos que Soares explorou a única opção de risco tomada por Vidigal: a utilização da marcação H-H nos corredores.

corona

Como podemos ver:

  • Nildo acompanhou o seu adversário directo para o corredor central.
  • Amilton deixou o seu adversário directo fugir-lhe pelas costas

“Para o mal” Lito correu o risco. O maior risco da marcação homem-a-homem é este: como a marcação homem-a-homem é um sistema de marcação que implica reactividade por parte de quem está a marcar (uma reacção rápida, imediata, ao movimento do adversário – se este escolhe um lado, uma direcção, o defensor tem que o seguir para nessa direcção, tentando fechar ao máximo a linha de passe para esse jogador – o que não aconteceu neste lance concreto) qualquer movimento executado pelo atacante que não seja acompanhado imediatamente pelo defensor, cria uma falha que poderá não ser compensada por outro colega.

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Rodrigo Defendi esforça-se para tentar compensar a falha do colega. 

Ofensivamente, vejo muito neste Aves daquilo que via no Arouca de Lito Vidigal. Na saída para o contra-ataque, o Aves é uma bem orientada, objectiva e pragmática. A ideia é muito simples: a equipa deve tentar fazer chegar rapidamente a bola a zona de finalização em poucas acções e com poucas unidades, ou seja, sem ter que abdicar do seu equilíbrio defensivo. Qualquer recuperação a meio-campo deve transformar-se imediatamente numa plataforma de ataque para os desequilibradores que a equipa possui nos corredores: Amilton ou Salvador Agra. Tanto um como o outro agitaram imenso a partida desta noite. Dos pés de Amilton saiu na 2ª parte o cruzamento para a cabeçada triunfal de Vítor Gomes. Sempre que recebem no meio-campo adversário, os dois extremos são incentivados a partir para as acções ofensivas individuais em drible ou em condução. Sempre que se consegue soltar da marcação para receber ao ponta-de-lança é dada carta branca conduzir e para disparar de meia distância. Arango fê-lo 2 ou 3 vezes ao longo dos 90 minutos.

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