Contra-pressing – o exemplo do lance do 2º golo do Sporting frente ao Olympiacos

via O Artista do Dia

Um momento de contra-pressing considera-se um momento do jogo no qual toda a equipa ou um conjunto de jogadores de determinadas linhas sectoriais da equipa (por exemplo: os jogadores da linha avançada; os jogadores da linha avançada mais os jogadores da linha média) ou de linhas intersectoriais (por exemplo: os laterais, os médios alas e os médios interiores, jogadores que embora fazendo parte de linhas sectoriais distintas – os laterais fazem parte da linha defensiva; os médios alas e os médios interiores fazem parte da linha média – podem ser chamados a ter que se organizar para poderem efectuar pressão sobre uma saída de jogo adversária para os corredores, p.e) organizam-se especificamente no terreno de jogo para poderem reagir à perda do esférico de forma a recuperá-lo. Para o efeito, os jogadores devem agrupar-se em torno do jogador que efectuou a recuperação…

Bruno César 4

Assim que vê o seu remate desviado pelo defensor grego, a primeira coisa que Bruno César faz é acercar-se do portador de forma a:

  • Impedir que este pudesse iniciar a transição para o contra-ataque.
  • Tentar roubar-lhe o esférico para eventualmente poder criar uma situação privilegiada de ataque à baliza adversária.

e dos apoios que este tem disponíveis (por perto, “inseridos” no centro do jogo, ou seja na zona onde se está a disputar o esférico; ou mais distantes; fora do centro do jogo) para dar sequência ao lance, de forma a pressionar o portador (cortando-lhe tempo e espaço para pensar e executar, ou seja para tomar uma decisão) e fechar-lhe o maior número de linhas de passe, para o conduzir ao erro (passe para fora, passe para os pés de um jogador da equipa que está a realizar o contra-pressing) ou à tomada de uma decisão que facilite a recuperação da bola (o passe para um jogador que esteja marcado por um adversário, situação que poderá permitir ao jogador da equipa que está a realizar o contra-pressing a recuperação da bola em virtude de um movimento de antecipação ou de um tackle).

bruno césar

Battaglia pressiona o portador enquanto Bruno César tenta fechar a linha de passe para o apoio que Fortunis tem disponível de forma a poder recuperar o esférico com um movimento de antecipação. 

O contra-pressing é por defeito um momento de organização da pressão na qual as equipas ao invés de recuar, tentam avançar no terreno de forma a pressionar imediatamente o portador no sentido de o obrigar a cometer erros. A pressão deve imediata, deve ser feita preferencialmente em superioridade numérica e jamais deve descurar a marcação ao jogador-referência que a outra equipa utiliza para sair para o contra-ataque porque há grandes probabilidades do portador vir a procurar esse jogador. No caso dos gregos do Olympicos, as referências eram o falso 9 Fortunis e os extremos Pardo e Carcela.

Vantagens de um bom contra-pressing:

  • A formação que o realiza estanca a saída adversária para o ataque, ataque rápido (supondo que nas suas linhas atrasadas, a equipa esteja bem organizada) ou contra-ataque.
  • A recuperação da bola em sectores adiantados do terreno poderá permitir a criação de uma plataforma de ataque à baliza adversária, podendo ou não apanhá-la descompensada no momento da recuperação.

Riscos decorrentes do uso ou abuso da estratégia de contra-pressing:

  • Se a equipa ultrapassar a pressão, poderá ter espaço para jogar entre a linha ou as linhas que pressionam e a linha que não está a pressionar (espaço nas costas do meio-campo; espaço nas costas da defesa).
  • Se a equipa ultrapassar a pressão, pode iniciar um contra-ataque em superioridade numérica sobre o adversário.
  • Uma maior sobrecarga física sobre os jogadores.

Resta-me agradecer todo o apoio e carinho. Se ainda não segue o Meu Caderno Desportivo nas redes sociais está na hora de seguir aqui.

 

A Avenida de Moscovo

rui vitória 4

A derrota sofrida pelo Benfica em Moscovo colocou definitivamente Rui Vitória no fio da navalha. O cenário de despedimento, cenário que até à noite de ontem não passava de um mero cochicho murmurado debaixo das arcadas (nas barras de comentários de blogues; na língua viperina de um comentador mais rebelde e\ou abutre; é nesta última espécie que se insere por exemplo Rui Gomes da Silva) partilhado por um conjunto de adeptos descontentes com a prestação da equipa na presente edição da Liga dos Campeões e até no próprio campeonato, prova em que a equipa encarnada tem conquistado pontos aos solavancos (ora conseguindo vincar a sua supremacia sobre os adversários por força de acções individuais; ora ajudada por um ou outro erro de arbitragem) tornou-se uma hipótese bem real se a equipa encarnada não obtiver um bom resultado no próximo dia 1 de Dezembro na deslocação ao Estádio do Dragão. Independentemente dos feitos alcançados no passado (por mérito de quem? – é uma das perguntas que se deve colocar. Pela lavra de Rui Vitória ou pelo que foi deixado construído por Jorge Jesus?) feitos que o treinador encarnado faz questão de recordar estrategicamente na hora da derrota, para tentar justificar e salvaguardar a sua permanência no presente, passando um verdadeiro paninho quente sobre o que não fez e o que possivelmente não virá a fazer até ao final da temporada por manifesta falta de matéria-prima ou por manifesta incapacidade, quem anda pelo futebol sabe que para salvar a sua pele num momento de aperto, qualquer presidente acossado não hesita em culpabilizar o treinador pelo mau momento da equipa, despedindo-o. Continuar a ler “A Avenida de Moscovo”

Mathieu, Piccini, Bruno e Bruno César ultrapassaram o labirinto grego!

Bruno César 3

Já se sabe que o homem na Champions é fera! Bruno César transcende-se por completo nos jogos grandes. A voracidade com que o brasileiro atacou o homem a que coube o azar de receber o ressalto do seu remate foi, na minha opinião, a melhor acção individual praticada no tapete de Alvalade. A reacção à perda do esférico é cada vez mais importante nos dias que correm. Como pudemos constatar no lance do 2º golo, obra do brasileiro, uma boa reacção à perda não só mata por completo uma eventual transição que possa criar problemas defensivos à equipa, como garante, conforme a posição do terreno em que a recuperação é efectuada, um precioso matchpoint, que devidamente aproveitado, pode ajudar a decidir um jogo. A reacção de Bruno decidiu uma partida oferecendo à equipa 45 minutos para descansar com bola.

O bem organizado bloco baixo defensivo dos gregos não foi a tormenta criada por Dédalo para encurralar o minotauro mas foi quase. Não fosse aquele passe longo de Jeremy Mathieu a descobrir Cristiano Piccini bem projectado na ala direita, acção que foi deveras rara no lateral italiano até aquele preciso momento do jogo, em virtude das necessidades ditadas pelo adversário nas suas rápidas saídas em contra-ataque pelos corredores, necessidades que obrigaram Jorge Jesus mais uma vez a pedir muita contenção nas subidas aos laterais, para não serem apanhados em falso no lançamento do contra-ataque adversário, em especial nos momentos em que o adversário recuperava a bola, e a história do jogo poderia ser um verdadeiro cabo do Bojador para a formação leonina.

Na primeira meia hora eu compreendi a necessidade sentida pelo técnico do Sporting, mas por outro lado também deduzi que Jesus queria o melhor de dois mundos: a estabilidade defensiva da equipa e a criação de lances de perigo através da exploração do jogo interior. O problema é que que o adversário teve o mérito de congestionar o corredor central com a colocação de muitas unidades e de ser ali, naquela zona do terreno, extraordinariamente pressionante às investidas leoninas, não obstante a presença dos extremos, a sua mobilidade (tentando baralhar as marcações) e a sua procura pela posse do esférico. O único lance de perigo dos gregos, surgido precisamente numa transição em contra-ataque montada pelos corredores, surge de uma falha na abordagem ao adversário de Fábio Coentrão.

Embora as imagens não mostrem a jogada completa e o momento ao qual queria dar enfase, este lance surge na sequência de uma recuperação de bola efectuada pelos gregos no seu meio-campo seguida de um rápido lançamento para Felipe Pardo. Coentrão adiantou-se para tentar roubar a bola ao colombiano sendo surpreendido com um toque do colombiano para a sua rectaguarda, toque que permitiu a Diogo Figueiras, mais rápido que Bruno César, aquela enorme avenida para correr.

Fora este lance, foram 40 minutos de boa organização defensiva do Olympiacos e nada mais. A ideias de jogo do treinador grego pass única e exclusivamente, à falta de um homem na área (embora Kostas Fortunis tenha em um ou dois momentos ajudado a ligar o jogo entre o centro e as alas) por explorar, em acções de contra-ataque, as poderosas e eficazes acções 1×1 de Felipe Pardo e uma ou outra situação de overlaping que pudesse ser criada nos corredores. Foram no fundo essas as situações que motivaram Jorge Jesus a pedir aos laterais para se conterem nas subidas. Imaginem o que é que poderia ter acontecido em meia dúzia de lances se Piccini e Coentrão se tivessem aventurado no terreno.

Até aos 40″ o bem montado bloco recuado montado em 4x1x4x1 pelo novo treinador da formação grega, Takis Lemonis, organização defensiva totalmente antagónica aquela que vimos na primeira jornada com o anterior técnico dos gregos, o albanês Besnik Hasi, teve o condão de dificultar a penetração leonina. Estando os espaços centrais completamente congestionados e preenchidos por 3 médios de cobertura (Romao, Gillet e Tachsidis; este último tinha a missão de vigiar as entradas de jogadores entre linhas) com o auxílio directo de Fortunis, a estratégia de jogo teria obrigatoriamente que passar pela retirada do esférico das zonas de pressão adversária, circulando rapidamente para as alas de forma a chamar os laterais ao jogo para obrigar a equipa grega a esticar a toda a largura do terreno, dificultando-lhes as acções de cobertura e obrigando-os a ter se deslocar para as alas para abrir mais espaços para jogar no corredor central. Caso os laterais continuassem descidos, só haveriam três ou quatro situações capazes de cumprir os propósitos do jogo: uma ou outra combinação que se pudesse fazer pelo meio, um lance de bola parada (André Pinto e Dost foram profundamente infelizes logo aos 2″ na finalização aquele sublime lance de laboratório) ou um remate de meia distância. Até ao primeiro golo, o Sporting só conseguiu penetrar no interior do bloco adversário uma vez naquela combinação realizada por Bruno e Battaglia na qual Bruno colocou o argentino em zona de finalização. Pelo meio há aquela fantástica acção de Dost na sequência de um lançamento lateral na esquerda, acção que deverá certamente ter agradado a Jesus porque é efectivamente isso que Jesus pede ao seu ponta-de-lança naquela situação específica.

O jogo pedia portanto menos rendinhas de bilros a meio, e mais circulação directa, dos centrais para os flancos, devendo os laterais subir mais no terreno (preferencialmente por fora, bem abertos juntos às laterais) para magicar mais combinações com os alas, ancorados por dentro, pelo interior do terreno.

Quando os laterais sobem no terreno, o futebol do Sporting ganha outra dimensão.

Com aquele passe longo para Piccini, Mathieu abriu a arca de pandora, fazendo jus às qualidades de organizador que lhe reconhecemos. O francês viu a subida no italiano no terreno, numa fase em que Gelson tinha regressado a terrenos exteriores, meteu aquele esbelto pé esquerdo a funcionar, e o italiano, criou o desequilíbrio quando passou por 2 opositores para servir a desmarcação de Gelson, calando todos aqueles (eu inclusive) que duvidaram do seu potencial ofensivo. Com aquela espantosa rotação, o extremo serviu a entrada de Bas Dost. Mais uma vez, à killer, vindo de gazão pela rectaguarda do central, antecipou-se e enfiou a bolinha lá dentro.

Se Piccini, Gelson e Dost fizeram o meu dia, Bruno César completou o dia do meu gato. A euforia foi tanta que o pobre Cocas, decidiu no momento do golo do brasileiro, passar a sua pata por cima do comando da televisão, desligando-a por momentos. Ambos corremos pela casa: eu de felicidade e o Senhor Cocas com algum receio, não fosse o dono fazer-lhe aquilo que faz regularmente com as setas ao esgaçado poster do plantel do Benfica 2004\2005.

O recital de Bruno, de Bruno César, de Battaglia e dos laterais – um cheirinho a bom futebol

Com os 2 golos, os gregos amoleceram por completo e viram-se impotentes para ir lá à frente criar lances de perigo, não obstante as modificações realizadas pelo seu treinador. A desintensificação da pressão efectuada no corredor central e a maior pendente ofensiva demonstrada pelos laterais, aparecendo mais vezes inseridos nos processos ofensivos, pontuadas com alguns movimentos divergentes de Bruno Fernandes para as alas, em especial para a direita para esticar o jogo quando a bola saia pela direita por Piccini ofereceram-nos jogadas de alguma beleza que certamente terão empolgado muitos sportinguistas. Este é o futebol que Jesus quer certamente praticar com esta equipa. Um futebol combinativo, enleante, bem trabalhado (no qual até Dost é de vez em quando chamado pelos médios para ceder apoios frontais que, por força dos arrastamentos promovidos pelo holandês abrem linhas de passe para a colocação da bola em profundidade nas costas da defesa para a corrida dos homens dos corredores, como veio acontecer num lance na 2ª parte).

Não posso de forma alguma terminar este post com três curtíssimas notas:

  • A primeira está relacionada com o exímio posicionamento de Battaglia nos momentos de transiçãoSs defensiva. O argentino é um verdadeiro olho de falcão desta equipa, o homem que tudo adivinha, que tudo sabe da intenção adversária. O homem que sabe quando é que tem de sair para pressionar, quando e para onde é que tem de correr para ganhar aquela segunda bola. O homem que sabe quando é que tem que cair para uma ala para impedir que aquele lançamento longo chegue ao destinatário. O homem que sabe que linhas tem de fechar, que movimento tem de seguir, que zona é que precisa da sua preciosa ajuda, do seu precioso músculo. Batta foi sem dúvida alguma a melhor aquisição desta época. Eu gosto muito de o ter por Alvalade e já referi noutra ocasião em tom de brincadeira que se Azeredo Lopes tivesse Batta a vigiar o paiol de tancos, muito dificilmente lhe roubavam o armamento.
  • As ganas de Bruno. Bruno foi o jogador que mais correu em campo num total de 12 km. Bruno construiu, Bruno veio atrás quando a equipa precisava do seu esforço de construção, Bruno avançou quando sentiu que a equipa precisava da sua presença mais próximo da área. Bruno serviu em zona interior, Bruno combinou, Bruno conduziu, Bruno estendeu para a ala, Bruno pensou sempre em dar profundidade à ala quando viu os laterais a subir que nem galgos, Bruno cruzou, Bruno colocou a bola na cabecinha de Dost e está no lance do golo de Bruno César e na 2ª parte mereceu o golo. Bruno é no fundo os valores que consubstanciam o Sporting. Obrigado Bruno!
  • Sinal negativo mais uma vez para o mestre da Alta Definição: com o resultado mais que controlado, Jesus tardou imenso a mexer na partida para dar descanso aos homens que tem sentido limitações físicas. Esperemos que os minutos a mais que deu a Mathieu, a William e a Coentrão não lhe tragam dissabores em Paços de Ferreira.

Não batemos em Mourinho pelo desporto da coisa

Mais uma vez ficaram à vista as debilidades defensivas deste Manchester United. Uma cagada em 5 actos:

basileia

  1. Irracionalidade na distribuição de unidades no terreno, deixando o flanco direito em inferioridade numérica, sem que no meio haja qualquer jogador que possa obstruir eventuais linhas de passe para os jogadores que se encontram momentaneamente fora do centro de jogo onde se está a disputar a bola. Se o jogador que tem a posse neste momento quisesse receber, virar-se e abrir o jogo para o flanco, poderia fazê-lo sem grande problema, criando uma extraordinária plataforma de ataque em virtude da superioridade numérica existente e do distanciamento (espaço existente) entre o lateral e central.
  2. 3 jogadores no centro da bola não evitam a entrada da bola entre linhas no jogador que se solta da marcação.

basileia 2

3. Deficiente ataque à bola do jogador que está a fazer a acção de contenção, não tendo qualquer iniciativa de combate para parar a acção do portador. Deixa rodar para servir a situação de superioridade numérica que se mantém no flanco.

4. Assinalado a azul. Como podemos ver, no ângulo inferior direito, aquele que viria a ser o autor do golo, Michael Lang, movimenta-se no sentido de oferecer apoio ao portador dado o posicionamento interior de Daley Blind, posicionamento que lhe abre totalmente o flanco. O jogador que deve acompanhar a sua subida, Anthony Martial marimba-se completamente para a situação, não acompanhando a subida. Já no jogo do fim-de-semana contra o Newcastle, Martial descurou por completo o acompanhamento às subidas do lateral DeAndre Yedlin.

Dá-se a abertura para o flanco e a natural acção de sobreposição resultante da situação de superioridade existente. Sai o cruzamento para a área.

manchester united 7

5. Marcos Rojo perde a frente do lance para Dimitri Oberlin.

Padrões de comportamento em futebol

A identificação de padrões de comportamento é o principal objectivo da análise táctica, é o mantra que norteia todo o processo de observação, interpretação e análise, contextualização e transmissão das informações sobre o “jogar” de determinada equipa. As equipas tem modelos de jogo elaborados pelos seus treinadores e construídos nas sessões de treino. Padrões de comportamento são acções que se repetem porque são treinadas exaustivamente pelos treinadores nessas sessões de treino. Faço uma pausa à narrativa para mostrar um exemplo muito concreto de uma sessão de treino comandada pelo Deus Arrigo num treino da selecção italiana em 1992:

Um processo de jogo ofensivo passível de se constituir como um padrão do jogar daquela equipa. Sacchi era um treinador que defendia a construção de uma identidade e a ideia de que a equipa deveria em qualquer circunstância ditada pelo adversário manter-se fiel à sua identidade ou seja, aos processos construídos. Sacchi era portanto um treinador que não dava muito espaço para a inovação.

Qualquer análise ao jogar de uma equipa deve portanto decifrar as orientações transmitidas pelo treinador aos seus jogadores. Essas orientações são no fundo os princípios (dinâmicas individuais e colectivas; acções tomadas por um jogador em determinado momento sob determinado contexto) que o treinador visa trabalhar nos seus jogadores para que o futebol da equipa tenha uma sequência lógica e possa contrariar a acção adversária, quer no plano defensivo, quer no plano ofensivo. A execução sistemática desses princípios em competição, revela comportamentos susceptíveis de exibir traços que permitem ao observador identificar padrões de jogo. A observação de uma sequência de jogos clarifica ainda mais estes padrões, evidenciando portanto um conjunto de informações que auxilia o observador a trabalhar a equipa de forma a contrariar esses mesmos padrões.

Nem todo o futebol é, porém, padronizado. O Mestre Júlio Garganta escreveu há uns anos, uma frase que me ficou retida no pensamento a propósito desse assunto: “O comportamento dos jogadores e das equipas, embora repousando sobre uma organização sustentada numa isonomia de princípios (os mesmos princípios valem para todos), movem-se entre dois pólos: o vínculo, ou seja, o estabelecido, as regras; e a possibilidade, a inovação”</em

O mestre abre portanto a porta para a autonomização dos jogadores em relação aos princípios trabalhados pelo treinador. Essa autonomização pode ser tomada de forma espontânea pelos jogadores ou incentiva pelo treinador. Ernesto Valverde é por exemplo um treinador que pede sistematicamente aos jogadores que expressem toda a sua criatividade, privilegiando a inovação em relação aos processos trabalhados. No entanto, Valverde não pode, de forma alguma fazer tábua rasa aos processos de jogo trabalhados anteriormente por Guardiola ou Tito Vilanova (ou até pelos treinadores de formação da formação culé visto que o jogar de Guardiola foi adoptado como a filosofia da formação do clube) porque como sabemos, o grau de assimilação dos jogadores a esses mesmos processos é, em virtude da repetição, enorme. No entanto, tenho denotado ao longo desta época que os jogadores culés tem revelado algum espírito de abertura para a realização de processos inovadores, introduzidos pelo treinador ou espontâneos.

O treinador do Dortmund Peter Bosz é um treinador que incute aos jogadores a necessidade de “pensar fora da caixa” quando os processos trabalhados (padronizados) não conseguem contrariar a acção defensiva adversária, aplicando-se portanto o conceito de “inovação” preconizado pelo Mestre Júlio Garganta. Existem regras e existe um trabalho que está estabelecido. Mas se esse trabalho não é suficiente para desmontar a organização defensiva adversária, os jogadores devem inovar, surpreendendo o adversário.

A equipa alemã é uma equipa que pratica, na saída de jogo, a clássica saída verticalizada. A ideia na saída de jogo passa pela verticalização do jogo dos centrais para os médios pelo corredor interior, procurando estes assim que recebem, lançar, com um passe a rasgar, em profundidade, as desmarcações dos extremos para as costas da defesa ou as desmarcações de Aubemeyang para as costas da defensiva adversária. Este é um dos processos padrão. Outro é este, um processo muito idêntico pese embora as assinaláveis diferenças registadas nas dinâmicas individuais requeridas a Andriy Yarmolenko:

Yarmolenko entra no corredor central e tenta servir em profundidade.

Como a formação inglesa conseguiu muito bem, pressionar a saída (nunca deixando os centrais procurar o jogo interior) e condicionar a acção dos interiores quando eram solicitados com passes verticais, para activar o jogo interior, a equipa alemã teve que recorrer a outro tipo de processos, inovando. Com uma saída em U, ou seja, uma saída lateral-central-central-lateral, a equipa pretendeu, circular para as alas numa primeira fase para atrair jogadores para aquela zona de forma a realizar uma rápida variação do centro de jogo visto que a maior concentração de adversários no corredor ou na zona interior daquele flanco, libertava mais espaço para jogar no corredor central e no outro flanco. Assim sendo, os centrais Schmelzer procurava Guerreiro e Guerreiro procurava imediatamente servir Kagawa ou Weigl em zona interior. Com espaço livre para progredir, Weigl procurava atacar o espaço (atraindo os defensores) antes de libertar para Gotze, que, poderia optar por progredir mais em condução ou tentar servir as desmarcações de Aubemeyang, Toljen (inserido na jogada abaixo linkada entre os defensores da formação inglesa) ou abrir para o flanco para Yarmolenko.

Aqui: minuto 10:15 até ao minuto 10:43 – este processo foi executado 2 ou 3 vezes durante o primeiro tempo. Assim que Aubemeyang marcou, a equipa deixou de o realizar. O dito processo não é portanto um processo padronizado mas sim um acto de inovação motivado pelas dificuldades criadas pelo adversário.

No lance do golo, a equipa decidiu voltar aos processos trabalhados. Weigl desceu no terreno para vir “pegar jogo” aos centrais, procurou servir o apoio frontal oferecido entre linhas por Kagawa

kagawa

O que é que o japonês poderia fazer nesta situação concreta? Como Raphael Guerreiro não se encontrava, no momento da recepção, a postos de explorar a profundidade caso o japonês decidisse rodar para o lançar em profundidade, o japonês recebeu o esférico, entendeu as intenções do companheiro, temporizou para aguardar pela chegada ao português (que já estava em flexão para o centro) e cruzou com ele, numa espécie de intercessão…

raphael guerreiro

(…) que ofereceu ao jogador português espaço para romper pelo interior e linha de passe para Yarmolenko. Como podemos ver neste frame, assim que o português entra no espaço livre, Yarmolenko, jogador que podemos ver junto aos centrais no primeiro frame, sai da marcação para oferecer uma linha de passe, e Pierre Emerick Aubemeyang dispara em velocidade para as costas dos centrais porque já sabe que a decisão do seu colega de equipa irá contemplar o seu movimento.

Quando vemos os jogadores a praticar “comportamentos em cadeia”, ou seja, comportamentos que são adoptados por determinado jogador em função do sucesso da acção de um companheiro, compreendemos que estamos perante um processo trabalho nas sessões de treino.

 

Há uns dias, na habitual rubrica Golos do Dia, escrevi algumas notas sobre os problemas defensivos pelos quais está a passar a formação do Real Madrid, notas que são obviamente resultantes das várias percepções que tem surgido no meu pensamento a propósito dos vários erros defensivos que são cometidos pela formação merengue.

Na partida de quarta-feira, duelo cujo desfecho foi favorável à formação inglesa, Maurício Pochettino aproveitou os processos de jogo operacionalizados com a equipa e uma janela de oportunidade oferecida pelo jogo (a lesão de um dos seus centrais) para alterar a estrutura da sua equipa de forma a capitalizar sobre um dos problemas defensivos do adversário, acrescentando-lhe outro: a forma em como a sua defesa defende os lances de área criados pelo adversário.

 

No lance do primeiro golo dos londrinos, a formação madrilena aparece na sua habitual disposição quando é obrigada a recuar o bloco até às imediações da área. Sem a presença de Ronaldo e Benzema no processo defensivo, como podemos ver na imagem em baixo…

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Isco desce no terreno para evitar que os londrinos tenham superioridade numérica no flanco esquerdo, e Casemiro aparece mais uma vez colado junto aos centrais. Tal disposição, do brasileiro, leva a que Kroos esteja completamente desguarnecido no corredor central. Apercebendo-se dessa situação, Maurício Pocchettino aproveitou a a lesão do central Toby Alderweireld para lançar Moussa Sissoko de forma a alterar drasticamente a esquemática até aí verificada, de forma a capitalizar a situação enunciada com a entrada de mais um jogador a meio-campo e a colocação em definitivo de Marco Dele Alli na área. Kroos passou a ter que defender todo aquele espaço central em inferioridade numérica.

Numa jogada em que os comandados do argentino conseguem bascular o jogo da esquerda para o centro, Sissoko entra à frente de Kroos para oferecer a Harry Winks uma belíssima oportunidade para abrir o jogo para o flanco direito, flanco onde o lateral Kieran Tripper, como é seu apanágio, aparece bem projectado no último terço, nas costas de Marcelo. A defesa do Real está como se pode ver bastante comprimida no corredor central.

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Admito que o lateral brasileiro possa dar esse espaço nas costas a Trippier, embora não o deva porque, como sabemos, o lateral inglês junta ao mais amplo conhecimento das rotinas trabalhadas pela equipa uma mortífera capacidade de último passe de primeira para o surgimento em zona de finalização de Kane ou Dele Alli. No entanto, esse espaço pode ser dado ao lateral inglês pelo lateral brasileiro, se os centrais se posicionarem na mesma linha da bola no momento do cruzamento de forma a poderem atacá-lo convenientemente se o cruzamento for realizado numa linha imaginária mais recuada em relação à linha imaginária que passa pela pequena área ou então, na linha da pequena área nas situações em que o adversário cruze junto à linha final…

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se Nacho não deixar que o adversário ganhe a frente do lance, o que efectivamente não veio a acontecer. Por outro lado creio que face à ausência dos centrais, Kiko Casilla também poderia ter feito muito mais na saída ao cruzamento visto que a bola passa-lhe mesmo à frente da viseira numa zona em que este tem obrigatoriamente de intervir. O lance é, de uma ponta à outra, muito mal defendido.

A título de exemplo, deixo-vos este lance, jogada onde a formação madrilena corrige alguns dos erros verificados no lance anterior, mantendo porém outros por corrigir:

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Presença de Modric no corredor central, embora desta feita seja Kroos quem demora a retomar posição.

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Nacho vê a entrada de Dele Alli mas não se preocupa em posicionar-se de forma a fechar a linha de passe. Enorme distanciamento entre centrais. Se a bola entra em Dele Alli, o avançado não iria certamente perdoar. A bola é variada novamente para a entrada de Trippier nas costas de Marcelo. Sérgio Ramos orienta-se para a direita, acreditando que Nacho vai ajusar a marcação em Dele Alli, emendando o erro cometido no lance do primeiro golo.

sergio ramos 2.PNG

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Marcelo e Ramos estão em linha com o cruzamento. Como podemos verificar, Nacho não e deixa que o adversário lhe ganhe novamente a frente do lance porque não foi rápido a ajustar. O cruzamento sai, valendo a intervenção rápida de Kiko Casilla na zona por onde nunca deveria ter deixado passar a bola no lance do primeiro golo.

casilla

A anatomia de um golo – Timo Werner

Um dissabor numa fase de natural ajustamento em relação às mudanças estruturais executadas ao intervalo por Raplh Hasenhuttl

https://dailymotion.com/video/x679pq6

Como fiz questão de assinalar no post anterior, escrito de gazão durante o intervalo da partida, um dos méritos alcançados pelo Porto na primeira parte do Dragão residiu no comportamento defensivo apresentado pela equipa. Sérgio Conceição alicerçou o comportamento defensivo da equipa num bloco médio no qual, os portistas montaram à entrada do meio-campo adversário uma zona de maior intensidade na procura pelo esférico (nunca caíndo na tentação de exercer uma pressão mais alta no terreno de maneira a não abrirem muito espaço nas costas, espaço que seria letal em função da criatividade que é empregue por Forsberg sempre que o internacional consegue receber entre linhas) através de um triangulo invertido, no qual os dois médios (André André e Herrera) mais subidos no terreno tentaram encaixar nos dois médios do Leipzig (Keita e Kampl) de forma a condicionar as suas acções, e Danilo, ligeiramente atrás, tinha a missão de encerrar as linhas de passe para as entradas de Forsberg no corredor central. Os portistas conseguiram encurtaram o distanciamento entre as três linhas, fazendo subir a defesa, o que à primeira vista parecia ser um convite à profundidade que o Leipzig nunca aceitou verdadeiramente. Apesar de André André não ter sido excessivamente pressionante sobre Keita, os portistas nunca permitiram a Forsberg ter jogo e espaço para criar entre linhas, e nas alas, a pressão à ponta exercida pelos laterais sobre os extremos adversárias e o povoamento das alas nas jogadas em os alemães colocavam, em especial, no corredor esquerdo, 3 jogadores para ali criar situações que lhes permitissem chegar à área portista, foi a receita utilizada pelos portistas para manter a sua baliza inviolada.

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FC Porto vs Leipzig – 5 breves notas sobre os primeiros 45 minutos

A exibição do Porto nos primeiros 45 minutos foi assente, na minha opinião, em 5 aspectos muito positivos e noutro negativo.

  1. O primeiro aspecto positivo resulta do lance do golo, lance em que Sérgio Conceição voltou a explorar as evidentes deficiÊncias dos alemães neste departamento do jogo, colocando muitas unidades dispersas na área para dificultar o trabalho defensivo dos alemães. Danilo aparece muito bem para colher aquela segunda bola.
  2. O segundo aspecto positivo foi o comportamento defensivo da equipa na primeira parte. Se por um lado, a saída de Marega acarretou a perda de qualidade na saída de jogo (em profundidade, pelos corredores) frente a uma equipa que pressiona organizadamente em terrenos adiantados e que consegue executar um efectivo e até por vezes asfixiante contra-pressing nas zonas onde perde o esférico (em especial, no corredor central), por outro a entrada de André André e a alteração táctica promovida por Conceição deu na minha opinião uma maior robustez ao meio-campo (o Leipzig tem pouco espaço para jogar entre linhas; a execução de uma defesa subida na qual os centrais controlam bem a profundidade) porque tanto André André como Herrera encaixaram bem nos dois médios do Leipzig (Keita e Kampl) embora André André tenha necessariamente que pressionar mais o guineense quando este recebe para lhe condicionar a decisão. No entanto por outro lado percebo que o médio não se queira expor tanto no terreno para não abrir nas suas costas um enorme fosso onde Forsberg pode receber com espaço para criar.
  3. Nas alas, Alex Telles não está a dar um palmo para Bruma receber na direita (levando inclusive o internacional sub-21 a ter que procurar outros canais, mais centrais, para participar no jogo) e Ricardo está a lidar bem com as ameaças que pendem sobre o seu flanco. Quando o Leipzig tenta criar pelo corredor esquerdo (Haltzenberg aparece sempre projectado no último terço) costumam aparecer, para além de Forsberg, Augustin e até por vezes Sabitzer. A formação portista tem conseguido, nessas circunstÂncias colocar muitas unidades para impedir que os alemães procurem levantar bolas para a área ou penetrar na área através de combinações.
  4. O único aspecto negativo que assinalei no primeiro tempo foi a dificuldade que o FC Porto teve para sair a jogar no momento da recuperação do esférico. Danilo, Herrera e André André estão a ter muitas dificuldades para retirar a bola da zona que é pressionada de forma mais intensa pelos alemães (no corredor central). Isto deve-se sobretudo porque Ricardo e Corona nem sempre são rápidos a esticar no flanco direito para oferecerem referÊncias a quem recupera. No outro flanco, Brahimi tem sido mais expedito a abrir para receber mas sempre tem sido alvo de uma marcação impiedosa por parte de Bernardo.
  5. A mobilidade de Aboubakar nos momentos em que a equipa recupera a posse do esférico, oferecendo-se sempre como referÊncia para a equipa esticar o jogo em profundidade. O avançado tem lutado imenso contra Upamecano, batalha que lhe tem permitido a conquista de muitas faltas e por conseguinte a colocação de bolas para a área.

Oh Fortuna, maldita Fortuna!

bas dost 5

Há 15 dias atrás, deixei aqui um conjunto de interrogações que, face ao que aconteceu esta noite em Alvalade, ainda se mantém válidas (quem sabe para Nou Camp; embora a esperança já não seja por motivos óbvios muita) visto que as respostas não foram finalmente encontradas. Creio que nos voltou a faltar a sorte em alguns lances e é um pouco por isso que a derrota de Turim e o empate agora conseguido frente aos italianos me sabem a pouco e me custam um mundo inteiro (talvez um feriado inteiro) a digerir.  Custam-me a digerir porque pior é a sensação de ter perdido um jogo onde fomos competentes do que ter perdido um jogo onde não podemos salientar um único aspecto positivo do rendimento da equipa. Sorte. Faltou sorte.

Faltou sorte para tamanha competência, para tamanha organização defensiva, para tamanha organização demonstrada em cada saída para o contra-ataque, para recompensar a garra exibida por Gelson, Acuña, e Bruno em cada saída para o contra-ataque, para recompensar cada pausa realizada por Bruno para pensar bem a construção de jogo (embora o Ristovski ainda esteja certamente a pensar porque é que o Bruno não lhe canalizou mais jogo na primeira parte quando o esvaziamento do flanco idealizado por Allegri lhe poderia ser benéfico; bastava por vezes ao médio olhar antes de receber para ler aquele sui géneris contexto apresentado pelos italianos na ala direita) e por Dost para o ligar convenientemente, para garantir posse de bola (retirando-a ao adversário; fazendo-o correr atrás do jogo; fazendo-o temer o leão), para tamanho espírito de batalha (interceptando cada bola, lutando por cada dividida como se fosse a última das nossas vidas e das vidas dos nossos jogadores – neste capítulo Rodrigo Battaglia foi enorme) para tamanha fome de vencer. Tamanha competência defensiva, apenas quebrada, como vamos ver mais à frente pela única falha defensiva grave cometida durante todo o jogo no capítulo do controlo à profundidade, numa fase em que a falta de força nas pernas já se alastrava para o foro psicológico. No único lance em que os enormes Gelson e Ristovski, jogadores que foram abnegados em todos os sentidos, correndo uma verdadeira maratona para por aquele flanco num verdadeiro lustro (até mesmo quando Allegri deu significado ao ditado “quem tem cú tem medo” – retirando o lateral direito para colocar toda a carne no assador com a entrada de um dos “nossos carrascos” de Turim, Douglas Costa, colocando Manduzkic na área para ver se o croata voltava a colher louros da burrice de Jonathan Silva) não subiram no terreno, colocando Higuaín em jogo no momento do redondinho passe de Cuadrado para a desmarcação do argentino. Faltou sorte naquele lance construído na direita por Bruno ao qual Bas Dost não chegou por uma unha negra. Se o holandês tivesse mais 35 cm de perna ou um arranque superior ao que tem, aquela tão desejada vitória seria certamente nossa. Continuar a ler “Oh Fortuna, maldita Fortuna!”

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